O REI

Michael Jackson, o cantor principal, era um pirralho de uns dez anos de idade, liderando irmãos do mesmo tamanho e muito maiores que ele, numa mistura sonora irresistível de soul, funk e pop. O som do J5 era uma das últimas coqueluches musicais que a Motown - gravadora que deu ao mundo Stevie Wonder, Marvin Gaye, Supremes, Temptations, entre tantos outros - entregava ao mundo. Aquele grupo de adolescentes negros, todos de Gary, Indiana, cantando e dançando na televisão músicas absolutamente irresistíveis como "I Want You Back", "ABC", "I Wanna Be Where You Are", "Never Can Say Goodbye" e tantas outras.
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O caminho para o megaestrelato viria com o lançamento de Off The Wall, em 1979, produzido pelo mestre Quincy Jones. Esse disco pavimentaria a estrada que levaria o jovem cantor para Thriller, quatro anos depois. Em Off The Wall, Jackson aparece belo, triunfante, cantando como nunca, emprestando voz e ginga para canções como "Rock With You" ou "Don't Stop Til Get Enough", verdadeiros monstros sagrados dos assoalhos mundiais. A produção de Quincy Jones atualizou ao mesmo tempo a disco music, o funk e o r&b, criando uma liga sonora que influenciaria todos os artistas negros que viriam depois. Michael, dançando como um extraterreste nos clipes (um terreno que ele dominaria como ninguém) era a imagem do sucesso irreversível. Longe do petiz de dez anos de antanho, ele ainda era um jovem resplandescente nas televisões do mundo.

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Em Thriller, Jackson chegou onde nenhum homem jamais esteve. Vendeu mais de 100 milhões de cópias, lançou - e foi lançado - pela MTV, colocou em prática a estratégia do clipe como veículo de divulgação e massificação da música junto ao público, ofereceu danças novas, figurinos novos e afirmou-se como um abençoado compositor de canções irresistíveis. No ano de lançamento do disco - 1983 - Jackson aparecia num outro álbum de outro mega-popstar. Paul McCartney dava espaço para ele em seu Pipes Of Peace, mais precisamente em dois duetos: "The Man" e "Say, Say, Say", sendo que essa última inundou as paradas de clipes ao redor do mundo, ao mostrar Michael ao lado do casal McCartney. Paul participaria de uma faixa em Thriller, a simpaticíssima "The Girl Is Mine". O disco trazia uma fotografia bem nítida da América negra do início dos anos 1980, mas ignorava a nascente cena hip-hop, talvez repetindo a estratégia Motown de limar os excessos de "negritude" de seus astros. Isso não seria nada demais, se Michael já não mostrasse uma grande mudança em seu visual. Seu rosto já não era o do jovem dançarino de Off The Wall, mas de um sujeito de feições finas e delicadas. A música, no entanto, distraiu as pessoas. Hits como "Thriller", "Beat It", "Billie Jean" e "Human Nature" podem se inserir na grande galeria do pop perfeito. A produção, novamente a cargo de Quincy Jones, lapidava a sonoridade para a fronteira entre a pop music branca e o r&b negro, numa mistura ainda mais eficiente que a de Off The Wall.


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Entre 1984 e 1985, Jackson participaria do projeto humanitário USA For Africa, na concepção do disco beneficente para as vítimas da fome na Etiópia. Surgia a maior reunião de artistas de todos os tempos, maior até que o britânico Band-Aid, criado meses antes, com a mesma função. O disco e a canção "We Are The World" foram para o topo das paradas mundiais com rapidez assustadora. A música, de autoria de Michael e Lionel Richie, fez um sucesso tão avassalador que eclipsou o resto do álbum e a imagem de todos os artistas do projeto nas gravações do disco é uma das mais marcantes da história da música pop. Presenças de monstros como Ray Charles e Bob Dylan, ao lado de Bruce Springsteen, Stevie Wonder, Diana Ross, entre outros, davam a seriedade que o projeto necessitava. Michael, todo de preto, com uma luva prateada na mão direita, era a imagem do USA For Africa.

A morte de Michael é uma tragédia sob muitos aspectos. O homem acusado de pedofilia, de gostos extravagantes, de acordos judiciais velados, de lucros altíssimos e prejuízos idem, morre como parte dessa criatura estranha e - sim - repulsiva que atendia pelo nome de Michael Jackson. A memória afetiva de diferentes gerações, porém, sempre oferecerá imagens e lembranças felizes do menino colorido dos anos 70 ou do jovem aerodinâmico dos 80. Talvez mesmo, do extra-terrestre megalômano de 1995. O que importa para a música pop é o desaparecimento de seu último megastar. O de maior grandeza recente, forjado e posto em prática diante dos nossos olhos, com todo o aparato midiático disponível. Se Jackson aceitou esses termos para sua carreira, pagou caro em vida e na morte, não anunciada, inesperada, após um ataque cardíaco. A verdade é que ele não pertencia mais ao plano dos fãs, distanciado por uma vida totalmente fora de qualquer padrão que o dinheiro e a fama possam trazer ou proporcionar.

Muitos admiradores mais antigos de Michael não se emocionam com sua morte - entre eles, esse que vos escreve - talvez até se sintam aliviados para poder selecionar apenas os bons momentos proporcionados por ele de 1970 para cá. Cada um faz sua escolha sobre isso, mas a perda de uma figura como ele o levará para o mesmo patamar habitado por Elvis Presley, John Lennon, Janis Joplin e Jimi Hendrix, tranformando-o num mito. Isso é inevitável e talvez seja o que Michael, diante de seu ego, sempre tenha desejado para si.

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